sexta-feira, 22 de julho de 2016

Justificativa

Fui durante muitos anos o feliz proprietário de uma Pajero TR4. Como ela deixou de ser fabricada, um dia, cedo ou tarde, teria de escolher outro modelo. E provavelmente não compraria o mesmo automóvel duas vezes, afinal variar um pouco é o que dá graça à vida.

Alguns gostam de trocar de cônjuge a cada poucos anos, eu aprecio trocar de carro, se possível por uma viatura bem diferente. Como eu disse ao vendedor da concessionária, isto não é um processo racional. Racional é comprar um Chevette que custa tanto quanto um celular e absolutamente qualquer mecânico sabe consertar.

Pessoalmente tinha a mente mais aberta para que modelo escolher, dentro do que cabe no meu bolso: Suzuki Vitara (que é o carro mais parecido com a TR4, hoje), Jimny (que muitos consideram o "herdeiro" da TR4 na faixa de preço), ASX 4x4 (com os pneus da ASX Outdoor), Ou então alguma picape 4x4. O principal requisito para mim era ser 4x4 e robusto para off-road - e para nossas estradas esburacadas que exigem mais dos pneus do que qualquer offroad. E, se possível, câmbio automático.

Exemplos de veículos desejáveis, mas que estão num preço completamente inacessível: SW4, Pajero (qualquer versão), Ford Edge. Todos esses SUVs "de verdade" estão custando bem mais de 200 mil reais, oferecendo um pacote não realmente diferente de uma TR4, exceto talvez por um motor mais potente? Aí fica difícil.

Já a cara-metade estava realmente pendendo para uma picape. Como o gosto dela é um subconjunto próprio do meu, tínhamos um acordo em casa, que costuma ser a parte mais complicada. (Problema maior é quando marido e mulher querem tipos completamente diferentes de carro, aí sempre fica aquele ressentimento pós-compra de ter feito apenas a vontade daquele ou daquela.)

O pessoal fala mal de quem aprecia picapes, mas é preciso dar a mão à palmatória que elas são bonitas. E sempre foram - uma picape Ford F100 V8 ano 1953 ainda é um design icônico. (Já testemunhei uma dessas parando do lado de uma Ferrari, e todos os olhares foram para a F100, não para a Ferrari.) Rural Willys, C10, C14, Veraneio, Chevrolet Brasil... Modelos mais recentes como Dodge Ram, Dodge Dakota (principalmente a V8), Ford F150 também causam torcicolo conforme passam.

É mais facil mencionar as exceções, ou seja, as picapes cujo design definitivamente me desagrada: F1000, D-20, F100 anos 70, a S10 a partir da primeira reestilização (ainda no início da década passada), Quanto à Hilux, a mulher a-do-ra! mas eu a vejo um veículo daqueles "nem fede nem cheira", com cara de marca coreana.

O preço das diferentes picapes do mercado está mais ou menos no mesmo patamar, independente do fabricante, estratificado em três níveis bem distintos: picapes 4x2 "flex" ou ciclo Otto (a gasolina/álcool) em torno de R$ 80-90 mil, picapes 4x4 flex em torno de R$ 125 mil; e picapes 4x4 diesel de R$ 150 mil para cima.

As picapes 4x4 Otto, apesar de estabelecer uma ponte sobre o abismo de preço entre as picapes de entrada e as 4x4 diesel, já foram um nicho em extinção. A necessidade de um motor maior (e possivelmente a dificuldade de importar um conjunto motor-transmissão diferente) implica em maior consumo, o que (em tese) afugenta muitos possíveis compradores. A disponibilidade das 4x4 Otto variou muito ao sabor do mercado e do preço da gasolina: fácil de encontrar nos anos 90, praticamente extinta no início desta década.

Até esses dias a Mitsubishi estava praticamente sozinha, com a L200 V6, cujo motor é "primo" dos que equipam as Pajero.

 Pessoalmente, e quem já me conhece do blog "Só Pajero TR4" sabe, sou mais fã de motores ciclo Otto que diesel. Na minha visão, o Otto tem as seguintes vantagens:

* Motor mais simples, custo inicial menor, manutenção mais fácil e barata. Menos componentes críticos (bomba de alta pressão, turbo) para quebrar.

* Desempenho e tocada mais parecidos com o de um automóvel.

* Funcionamento mais suave.

* É mais fácil encontrar motores de 6 cilindros com ciclo Otto (a F250 tem motor 6 cilindros diesel, mas é um veículo que exige até carteira de motorista diferente, então estava fora da lista).

* Mais fácil de encontrar usada a bom preço. (Este item também aparecerá como desvantagem, do ponto de vista do vendedor.)

* Abastecer com gasolina batizada não costuma causar danos permanentes ao motor (pelo menos aqui na região, o "Batismo" mais comum é adicionar álcool, que os motores flex aceitam sem problemas). No caso do diesel, basta um tanque de combustível adulterado, ou simplesmente velho, mal armazenado ou com água em excesso, para arruinar o motor.

* Multiplicidade dos tipos de diesel (S-500, S-100, S-10) e todo um folclore em torno de que viatura pode usar que tipo, que definitivamente não me agrada. Mesmo tendo certeza do tipo certo, pode acontecer facilmente de não se encontrar no posto, quando em viagem. Já gasolina tem em qualquer lugar, e álcool tem até em farmácia.

* O motor diesel típico que equipa as picapes modernas é de "alta performance", que foi muito aperfeiçoado e hoje em dia é confiável, porém continua sendo um animal completamente diferente do motor diesel "tradicional" que equipava as picapes dos anos 80 e 90 - motores lerdos porém incrivelmente duráveis. Já os diesel de alta performance trabalham mais perto do limite e sua durabilidade não parece ser melhor que os motores a gasolina equivalentes - e a chance de quebra catastrófica prematura é grande, conforme pode se constatar em qualquer fórum sobre jipes e picapes.

* Cheiro extremamente enjoativo do diesel e dos respectivos gases de escapamento. O biodiesel cheira a frituras, o que pode dar fome ou enjôo (antes e depois do almoço, respecitvamente).

 * Em último caso, sempre se pode adaptar um motor Otto para GNV, se a gasolina tornar-se proibitivamente cara. Já tive carro com GNV, tive problemas mas não posso negar que o custo por km rodado baixou para quase zero...

* Muito visada por ladrões, pois o veículo diesel tem mais possibilidades de receptação no "mercado negro", seja como veículo rodando dentro de um latifúndio (onde nunca seria encontrado) ou mesmo aproveitando o motor para uso náutico ou estacionário.

* Isto torna o seguro proibitivamente caro, embora este problema seja menor hoje do que ontem, não dá mais pra dizer que é motivo número 1 para não comprar diesel.

* Impróprio para trajetos muito curtos, infelizmente típicos de quem mora em cidade. O motor diesel exige mais "carinho", respeitar o tempo de aquecimento na partida a frio, esperar 1 minuto antes de desligar para resfriar a turbina, etc. São procedimentos que acabam não sendo observados na correria da vida urbana.

 É claro, se alguém me der uma picape diesel, eu vou ficar com ela :) As considerações acima são econômicas, do ponto de vista de alguém que precisa comprar um ou outro modelo, mas não os dois.

Agora, as vantagens do diesel:

* Custo de combustível bem menor por km rodado. O motor Diesel tem rendimento termodinâmico melhor que o de ciclo Otto, um litro de Diesel custa menos que um litro de gasolina, e como se isso não bastasse um litro de Diesel tem mais massa (e mais energia) que um litro de gasolina.

* Para quem roda muito, diesel ou GNV é mesmo a pedida. Tem de fazer aquela continha para comparar a diferença de preço na compra versus o gasto esperado de combustível durante a vida útil.

* Bem mais autonomia, dado um tanque de mesmo volume. Importante em lugares ermos.

* Desvaloriza menos a partir do preço 0km. (Eu acho o fim da picada comprar carro da cor X ou de combustível Y porque "não desvaloriza", mas pode haver razões legítimas para isso, talvez uma frota com a política de renovação compulsória a cada 2 ou 3 anos.)

* É percebido como um motor mais adequado para off-road, por não precisar do sistema de ignição a faísca. Se o motor ficar molhado, a primeira coisa que pára de funcionar num motor Otto é a ignição, embora também se possa proteger o distribuidor, etc. e veículos 4x4 posicionem estes componentes em lugares mais altos.

* Atinge torque maior com baixa RPM, e atinge a potência máxima em RPM menor que um típico motor Otto. Embora isso seja tecnicamente compensável (basta mudar a relação do diferencial para equiparar motores Otto e diesel de mesma potênciia) muitos percebem a curva de torque do diesel como melhor para off-road, trabalho pesado, ou mesmo para qualquer veículo pesado - como uma picape.

 Então é isso, as cartas estão na mesa, e na minha contabilidade particular, dado meu perfil de uso, prefiro uma picape a gasolina, desde que seja 4x4, automática e com boa potência.

Por estes motivos, fiquei com a L200 HPE Flex, motor V6, que tem todos os atributos desejados e também é esteticamente atraente. É um veículo que tem todos os méritos da TR4, ocupa com perfeição o vácuo deixado por ela aqui na garagem, e de quebra resolve o único problema que se podia apontar na TR4: a falta de potência do motor.

 Como eu disse antes, os outros fabricantes acordaram para o fato desse segmento estar praticamente abandonado há algum tempo..

Assim, temos a S10 flex (4x4 e automática), com um motor de 4 cilindros muito elogiado, no papel até mais potente que o da L200 por ser de injeção direta. Também a Hilux apareceu com uma versão assim, com motor 2.7. Estes são os modelos mais vendidos da categoria, então presume-se que o nicho realmente está "esquentando".

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