A MIT faria bem em valorizar mais esse aspecto do modelo flex, usando um adesivo "V6" vermelho e brejeiro tal qual as S10 equipadas com o venerável motor Vortec 4300 exibiam no final dos anos 90. (Outro adesivo que falta nas L200 HPE é um "4x4" já que 80% da graça de um veículo 4x4 é poder exibir isso para conhecidos ou transeuntes.)
O motor 6G74 da L200 faz parte da grande família 6G7: motores de 6 cilindros, com V em ângulo de 60 graus. São considerados os motores "de topo" da empresa, embora divida o pódio com o 4M41 diesel e com os veneráveis 4G6 "Sirius" que equipam a L200 Flex de 4 cilindros (e já equiparam Lancer e Eclipse).
O motor 6G72 de 3 litros equipou inúmeros veículos da Mitsubishi, inclusive a terceira geração do Eclipse. O 6G74 equipa hoje a L200 mas já equipou a Pajero Full, cuja versão a gasolina é hoje propelida pelo 6G75 (3.8 litros). Para cada uma dessas versões, existem "sabores" com 12 válvulas, 24 válvulas, injeção direta de combustível, MIVEC (comando de válvulas variável), etc.
O 6G74 que move a L200 é 24 válvulas sem MIVEC. A potência é 200HP com gasolina e 205HP com álcool. A versão internacional desse "sabor" de 6G74 apresenta potência de 190HP, pois precisa funcionar com gasolina pura e de baixa octanagem. No exterior são vendidos chips de performance que basicamente colocam o motor em pé de igualdade com a versão brasileira... Como a gasolina brasileira tem sempre 25% de álcool e boa octanagem, isso permitiu que a L200 saia "chipada de fábrica".
A curva de torque e potência abaixo foi tirada de um site de chips de potência, foi uma das pouquíssimas referências que encontrei sobre o motor. O curioso é que as curvas referem-se ao desempenho com chip, mas os números batem quase perfeitamente com a potência da L200 brasileira (para converter kW em HP, divida por 0.736; para converter Nm em kgf, divida por 9.81).
Como se vê, a curva de torque é bastante plana, apesar de ser um motor multiválvulas. A vantagem que normalmente se louva em motores diesel, encontramos neste motor também. Também é digno de nota que metade da potência já está disponível a ~2200RPM, e dois terços da potência em 3000RPM. O motor é muito silencioso e só se faz ouvir a 3000RPM ou acima.
Em motores multiválvulas de menor cilindrada, a busca por potência final acaba criando uma curva com dois picos, como um camelo. Era o caso da TR4, que tirava 140HP de um motor 2.0, mas tinha um 'abismo' de torque em 2500RPM na gasolina (o problema desaparecia com álcool).
Já este motor de 6 cilindros tem cilindrada (3.5L) compatível com a potência - o motor 4G64 2.4 da L200 4 cilindros tem potência por litro semelhante. A taxa de compressão de 9:1 está na faixa dos motores a gasolina produzidos no resto do mundo. Apesar de ser um motor flex, é um motor que foi feito para queimar gasolina, só faz sentido abastecer com álcool se estiver realmente barato, o que não acontece há vários anos. (Mas vou confessar que ainda não experimentei colocar álcool no tanque - quando o fizer, escreverei outro post.)
Ruído
90% da graça de motor grande é o ruído grave e imponente. O motor 6G74 soa bonito, embora ainda silencioso, certamente porque o carro tem de sair de fábrica atendendo à legislação de ruído. O barulho não é alto mas o timbre mostra a qualquer passante que há um motor potente ali.
Quem quiser chamar a atenção pode fazê-lo simplesmente mudando o escapamento. Pessoalmente não entendo quem torna seu veículo barulhento (esses dias ouvi o que parecia ser um ônibus velho subindo a ladeira da rua, quando fui ver não era um ônibus, era um Troller!) mas cada um faz o que quiser, este é um país livre, né?
O timbre é semelhante aos demais motores V6 de 60 graus - exemplos de sons podem ser encontrados no YouTube. Definitivamente o timbre é diferente do motor V6 da S10 (Vortec 4300) - cujo ângulo é 90 graus, e soa um pouco parecido com motor V8.
Diferente do motor Vortec, o 6G74 sobe de giro muito rápido.
Suavidade e balanço
Para
encurtar a história, os motores V6 de 60 graus costumam ter balanço
muito razoável, o que se traduz em suavidade e subida de giro sem
esforço. Se tiver interesse mais profundo nesta questão, vou estender a
discussão abaixo.
A suavidade do motor é função de um balanço interno correto. Parte desse balanço é conseguida adicionando-se contrapesos no virabrequim, mas cada tipo de motor apresenta desafios diferentes para um balanço realmente perfeito.
Existem quatro tipos de vibração que prejudicam o balanço:
1) Vibração das explosões
O motor de um cilindro só explode (e produz torque) a cada duas rotações (720 graus). Cada explosão é distinguível de ouvido e o torque do motor é irregular, o que transmite vibração pela transmissão. Quanto mais cilindros o motor tiver, mais suave será esta vibração e mais "liso" será o torque.
Praticamente todo motor atual tem explosões regularmente espaçadas - por exemplo, o motor V6 costuma ter uma explosão a cada 120 graus de rotação.
Motores com explosões irregulares, por exemplo um motor V6 derivado de um motor V8, simplesmente omitindo 2 cilindros, tem explosões irregularmente espaçadas, às vezes 90, às vezes 180 graus e o resultado é um som agressivo, que a maioria desgosta. A vibração também pode destruir o motor, portanto espaçamento irregular limita a potência possível.
O ruído das explosões irregulares são a "assinatura" de motores de 2 cilindros de baixa RPM encontrados em motocicletas tipo Harley-Davidson - tais motores evitam a explosão regular a cada 360 graus para melhorar os outros tipos de balanço que veremos abaixo.
Os motores mais suaves são os V12, com uma explosão a cada 60 graus, porém todo motor com 5 cilindros ou mais já é considerado muito suave nesse quesito.
Em motores V, também faz diferença o espaçamento regular das explosões em cada lado do V, além do espaçamento do motor como um todo. Por exemplo, o motor V8 típico possui explosões irregularmente espaçadas em cada lado do V (90-180-270-180), o que produz o timbre "borbulhante" típico do V8, resultado dessa vibração.
2) Balanço primário
Os pistões e bielas sobem e descem, descrevendo um movimento quase senoidal. Este movimento precisa ser compensado, do contrário o motor vibrará na mesma freqüência (3600RPM = vibração de 60Hz). É possível compensar essa vibração adicionando-se contrapesos no virabrequim, porém o contrapeso gira enquanto o pistão se move apenas na vertical, então o contrapeso apenas converte a vibração vertical numa vibração horizontal.
Um motor com apenas um cilindro não consegue atingir o balanço primário apenas com contrapesos no virabrequim. Seria preciso dividir o contrapeso em dois eixos, girando na mesma RPM mas em sentidos opostos (contra-rotação) de modo que os contrapesos dos dois se somassem no sentido vertical (compensando o pistão) mas se cancelassem no sentido horizontal. Como um eixo adicional adiciona peso e custo ao motor, dificilmente um motor de 1 cilindro possui este refinamento.
Num motor de 2 cilindros em linha com diferença de 180 graus entre cilindros, os contrapesos no virabrequim estarão defasados em 180 graus, então eles já se cancelam no sentido horizontal.Motores de 2 cilindros em V (encontrados em motos tipo Harley-Davidson) ainda precisam de um leve eixo de contrarotação, e costumam tê-lo por serem produtos mais refinados.
Em motores com 3 cilindros ou mais, o balanço primário do conjunto pistão+bielas+virabrequim com contrapesos é sempre bom. O motor de 4 cilindos em linha tem um balanço primário perfeito com um pequeno número de cilindros (e portanto um custo baixo).
3) Balanço secundário
Devido à existência da biela, o movimento do pistão não é perfeitamente senoidal: ele é mais rápido no topo e mais lento no fundo do cilindro, o que adiciona uma vibração adicional de timbre mais agudo. Por exemplo, um motor a 3600RPM tem vibração primária a 60Hz, então a vibração secundária é de 120Hz. Quanto mais curta a biela e/ou mais longo o curso do pistão, maior será a vibração secundária.
Essa vibração é particularmente sentida nos motores de 4 cilindros em linha (os mais comuns) cujo design tem balanço primário perfeito, mas geralmente deixa o balançø secundário sem tratamento. É a grande responsável pelo ruído agudo do motor e nível elevado de vibração do mesmo, principalmente em RPM elevada, enquanto motores de 6 cilindros têm som mais "grosso" porque estão livres dela.
Para atingir o balanço secundário, o motor de 4 cilindros em linha (I4) precisaria de dois eixos com pequenos contrapesos, em contra-rotação, girando com o dobro da RPM do virabrequim. Como tais eixos adicionam custo e também prejudicam a aceleração pela inércia, só costumam aparecer em motores 4 cilindros mais refinados e de grande cilindrada. Um motor de I4 com cilindrada 2.4L ou acima é praticamente obrigatório ter esses eixos, e de fato o 4G64 (que equipa a L200 flex 4 cilindros) possui.
Curiosamente, motores de 3 cilindros em linha (I3) têm balanço secundário inerente, sem necessidade de contrapesos. Isto permite ao motor I3 roncar mais bonito que um de I4. Os motores I6 e V6 podem ser compreendidos com dois motores I3 siameses, então também apresentam balanço secundário e roncam bonito.
Os motores "flat", com pistões opostos, tipo motor de Fusca (flat-4) ou de Porsche (flat-6) também têm balanço secundário inerente, pois cada pistão naturalmente contrabalançado pelo pistão do lado oposto. Até um motor flat-2 pode ter um balanço muito bom com baixo custo.
Motores V8 típicos ("planos cruzados") também apresentam balanço primário e secundário inerente, embora à custa de pesados contrapesos no virabrequim para cada par de cilindros. Isto empresa ao V8 a suavidade, o ronco "grosso" e a aceleração prejudicada.
Já motores V8 de Fórmula 1 e da Ferrari são como dois motores I4 siameses, então apresentam vibração secundária residual e o característico ruído agudo de "motor de corrida" - mas aceleram mais rápido porque não têm contrapesos no virabrequim.
4) Balanço do momento
Apesar do balanço secundário perfeito, o motor de 3 cilindros em linha (I3) tem uma vibração ou momento no sentido longitudinal, que tenderia fazê-lo subir e descer, pois a cada momento há dois pistões subindo de um lado do motor, e um pistão descendo do lado oposto, fazendo o motor erguer-se ou afundar-se. Quanto mais comprido o motor, mais pronunciado é o efeito.
Num motor I3, esse momento pode ser compensado por contrapesos nas pontas do virabrequim, defasados 120 graus. Assim como no caso do balanço primário, contrapesos que eliminam uma vibração vertical "transferem" esta vibração para o plano horizontal, e o mesmo acontece aqui, mas o resultado costuma ser suficientemente bom, dispensando um eixo contra-rotativo. Motores com 5 cilindros possuem característica semelhante.
Motores de 4 ou 6 cilindros em linha não apresentam o problema porque podem ser modelados como dois motores I2 ou I3 unidos pelas extremidades, e as vibrações longitudinais de cada metade cancelam-se.
O motor V6, que também pode ser entendido como dois motores I3 siameses, tem a desvantagem de cancelar apenas parcialmente a vibração longitudinal de cada lado do V. O ângulo do V define a suavidade do motor V6, no que se refere a esta vibração longitudinal.
O cancelamento total só seria possível com um ângulo de V de 180 graus, o que transformaria o motor em flat-6 como o do Porsche, Subaro e Lycoming. Flat-6 é um motor bom porém muito largo, por isso é pouco usado.
Fora o ângulo "perfeito" do flat-6, outros ângulos bons são 60 graus e 120 graus. Em tais ângulos, a vibração pode ser mitigada por simples contrapesos no virabrequim, embora a perfeição só possa ser realmente atingida com um segundo eixo em contra-rotação. Mas geralmente esse eixo é omitido.
Um motor V6 curioso é o de 90 graus, que parece um V8 cortado. Tal motor vibra muito, e realmente não pode passar sem um eixo em contrarotação. O venerável Vortec 4300 das picapes S10 tinha esse eixo, o que emprestava grande suavidade ao motor.
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